A FELICIDADE (Viriato Corrêa)
Um dia, andava um homem pelo mundo à procura da Felicidade, quando a ele se apresentou deslumbrante aos olhos:
- Aqui estou para te servir. Pede o que quiseres.
- Dá-me riqueza, que ficarei satisfeito.
A
Felicidade bateu-lhe com varinha mágica. E em derredor, tudo se
transformou. Quando o homem abriu os olhos, atônitos, estava diante de
pilhas de ouro surpreendentes. Eram tão vastos os seus domínios que, da
alta torre do seu castelo, não se lhe podiam devassar as linhas
fronteiriças. O mar, que espumava nas terras solarentes, coalhava-se de
caravelas carregadas de especiarias.
Mas no meio da pompa, no fulgor de todo aquele ouro, o homem sentia-se pequenino e ridículo.
Saiu de novo a procurar a Felicidade. Ela, pela segunda vez, veio ao seu encontro:
- Quereis mais alguma coisa? – perguntou?
- Quero, respondeu o homem. Quero a inteligência.
- Só
se é feliz quando, ao lado da riqueza, a inteligência nos guia e nos
afaga. O ouro por si só não basta. Sinto que toda a gente me lisonjeia,
mas, no fundo, ninguém me toma a sério, falta-me a inteligência para que
eu tenha prestígio, a força e o brilho, que só ela possui.
- É só isso o que lhe falta para ser feliz?
- Só.
- Volta então, para o teu palácio que, ao chegares,
terás a clara intuição das ciências e das artes.
O
homem voltou. Anseios novos fizeram-lhe brotar de outra maneira o
coração, cenários desconhecidos abriram-se-lhes deliciosamente aos
olhos. O mundo desvendou-se-lhe mais largo, mais brilhante e mais
profundo. De longe vinha gente para lhe ouvir os conselhos, para lhe
sentir o fulgor.
Mas pouco a pouco a alegria se lhe foi diminuindo. Abateu-se-lhe o organismo, os ânimos definhavam.
Um dia, temendo a morte, o homem saiu a procurar novamente a Felicidade.
- Não está satisfeito? – perguntou ela.
- Não, respondeu ele. A riqueza e a inteligência não completam a uma felicidade. A felicidade só é verdadeira quando se tem saúde. Eu não tenho. Falta-me tudo, portanto.
A
felicidade tocou-lhe novamente os ombros o homem moveu-se: a juventude
sadia floria-lhe nas veias, a ligeireza e a agilidade animavam-lhe os
ombros.
Por
muito tempo viveu contente, cantando no esplendor da opulência, na
clara intuição das coisas, na tonificadora expressão da vida
rejuvenescida .
Mas um dia saiu ele de novo ao encalço da Felicidade.
- Ah! te falta alguma coisa?
- A beleza. De que me serve ter ouro, inteligência, e
saúde, se com a minha fealdade, não posso ser amado? Não fosse o meu ouro, todos me apedrejariam.
- Queres então...
- A beleza.
- Volta. Terás o que queres.
Mas
muito tempo depois, o homem já se sentia insatisfeito. A vida luxuosa
do castelo já não lhe dava alegria: cansavam-lhe tantas homenagens ao
seu talento. Ele tornou a chamar a Felicidade.
- Não estás ainda satisfeito?
- Não.
- Mas já te dei tudo.
- No entanto, sinto que alguma coisa me falta.
- Dizei o que é.
-
Não sei. É uma insatisfação que não posso definir. Se olho a grandeza
de minhas terras, parece que as terras alheias, mais pequeninas, são
mais formosas que as minhas. Se vejo uma criatura
gemendo, parece-me que apesar do gemido, ela é mais feliz do que eu. Se
douro uma frase, se moldo um conceito, o conceito e a frase me parecem
pueris. Eu próprio não sei o que me falta. O que sinto, é uma
insatisfação que me enerva, me definha, e me aniquila.
- O que te falta bem sei o que é.
- Dize.
-
Falta-te esta coisa simples – que te conforme com a sorte. Não há
felicidade enquanto a gente adquire a virtude necessária para
satisfazer-se com o que é e com o que tem. O que te falta é resignação.
- Dá-me, pois, a resignação.
A Felicidade moveu tristemente a cabeça fulgurante.
-
Eu que te pude dar saúde, riqueza, formosura, inteligência, não tenho
poder para te dar esse quase-nada que é tudo. Só uma pessoa te poderá
criar a virtude da paciência.
- Quem é ela?
- Tu próprio.
Pueris- Próprio de crianças; ingênuo.
Aniquila- Reduz a nada; destrói.
Resignação- Ato ou efeito de resignar-se, conformar-se com o que tem; sujeição paciente às amarguras da vida.
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